2011-12-25



É algo poético, talvez… o que ainda não sabemos, o que só pressentimos, o frio nestas latitudes, nestes dias pequenos de Dezembro. É curioso pensarmos que o Natal de Jesus está tão distante de nós em tempo e espaço, em clima e contexto… e ainda assim, buscamos uma intimidade intensa, como se fosse connosco, parte de nós, das nossas memórias, algo tão impressivo como os nossos dias mais impressivos. Sim, é mais fácil abeirarmo-nos do presépio do que da cruz…
É curioso que se a cruz nos traz o mistério da Morte, não é o Natal, mas a Ressurreição, que nos traz o mistério da Vida. O que é que nos dá o Natal? Muito pouco, quase nada… e é esse o mistério do Natal, o que ainda não sabemos, o que só pressentimos. O que o Natal nos dá é uma comovida e poética expressão do Amor de Deus: não sabíamos, nem sequer pressentíamos… que Deus pudesse acontecer tão perto de nós. O mistério do Natal é esse tão perto de nós. O mistério do Natal é a humanidade que se esconde nesse tão perto de nós. É tão perto de nós que nem nos parece possível que possa ser Deus. E creio que foi por isso que me fiz cristão, porque a verdade está onde poucos a procuram, porque Deus está onde poucos o procuram… e o Evangelho é desconcertante, porque nos diz – sem assombros ou complexos recursos literários, mas com uma simplicidade desarmante – que Deus decidiu redimir a humanidade e, no seu projecto de salvação, dá ao mundo e ao tempo o seu Filho… e este Filho de Deus é o Filho do Homem, e nasce tão humano, tão frágil, num contexto tão humilde, tão perto de nós… e nasce tão longe das luzes da ribalta, tão longe do Império, tão longe dos reis e dos príncipes do mundo, tão longe dos sacerdotes; nasce em segredo, tão perto de nós. É o mistério do Natal… ainda não sabemos, mas já pressentimos. Creio que foi por isso que me fiz cristão… o resto vem depois. Não é difícil acreditar na divindade de Jesus… hoje [como há 2000 anos…] não escasseiam pretensos deuses, deuses para isto e deuses para aquilo, deuses para tudo e deuses para nada; difícil é acreditar na humanidade de Jesus… hoje [como há 2000 anos…] é tão difícil acreditar no Homem. E esse é o mistério do Natal, como num poema de José Tolentino Mendonça:

"O Seu advento encontra-nos sempre impreparados
e, contudo, este é o momento em que
por puro dom se nasce.

A Sua vinda testemunha o que não sabíamos ainda:
a nossa frágil humanidade é narração
da autobiografia de Deus."

2011-12-22



Quem se recorda de um homem desconhecido que inesperadamente se apresentou na varanda de S. Pedro de Roma, no dia 16 de Outubro de 1978? Foram estas as suas palavras: "Não tenhais medo! Abri, escancarai as portas a Cristo! Ao Seu poder salvífico abri os confins dos Estados, os sistemas económicos como também os políticos, os vastos campos da cultura, da civilização e do desenvolvimento. Não tenhais medo!" ["Non abbiate paura!"]

2011-12-20



Na sequência do trabalho que realizámos entre 2010 e 2011, apresentamos um colóquio subordinado ao tema: ver o invisível, dizer o indizível. Este colóquio reunirá, em torno de duas conversas, o pintor Júlio Pomar e o escritor Jaime Rocha, o arquitecto Siza Vieira e o escritor Valter Hugo Mãe; decorrerá no Auditório de Serralves, entre as 16 e as 20 horas do dia 6 de Janeiro próximo.

Procuramos com este colóquio, promover uma reflexão consequente no âmbito do diálogo entre a Fé e a Cultura, nas suas expressões artísticas e literárias. Com efeito, desafiados pela expressão de Heiner Müller: "Escrevo sempre mais do que aquilo que sei", ponderamos a acuidade desta expressão, formulada em termos do que se vê e do que se diz.

A entrada é gratuita mediante o levantamento de bilhete na recepção de Serralves e está sujeita à lotação do Auditório.

2011-12-15

No final de 2010, o P. José Tolentino Mendonça pediu-me um texto para o Observatório da Cultura sobre O diálogo entre a Fé e a Cultura no meio editorial. Acho que vale a pena relê-lo:



Por estes dias, enquanto trabalhava num dossier sobre Universidade Católica Editora – Porto, perguntei a mim próprio qual deveria ser o seu contributo para a Igreja em Portugal, para as faculdades de Teologia, mas também para as comunidades; na formação pessoal dos cristãos, mas também no diálogo entre a Fé e a Cultura. Diante da minha biblioteca, apartei mentalmente os livros passíveis de serem integrados numa área abrangente de mundividência cristã, da teologia dogmática à história da Igreja, da exegese bíblica à espiritualidade; ignorei os livros estrangeiros e procurei concentrar-me em edições relevantes: restaram-me um conjunto de livros, particularmente da década de 60 do século passado, divididos entre a Livraria Morais Editora e a Livraria Tavares Martins, e, mais recentes, os livros da colecção 'Teofanias', da Assírio & Alvim.
Naturalmente, trata-se de uma abordagem pouco criteriosa a uma questão que merecia um estudo aprofundado, mas creio que, ainda assim, esta perspectiva denuncia um diagnóstico evidente. Com efeito, só há duas hipóteses de ler/adquirir os grandes documentos da tradição cristã: resta-nos importá-los ou, no caso de terem sido traduzidos, há ainda a possibilidade de serem encontrados em livreiros/alfarrabistas.
É evidente que este não é apenas um meio privilegiado para o diálogo entre a Fé e a Cultura, trata-se de uma condição absolutamente necessária para que esse diálogo aconteça e seja consequente. Pode parecer uma consideração pretensiosa, mas não acredito que seja possível esse diálogo sem leituras partilhadas e só poderá haver leituras partilhadas se tivermos a capacidade de traduzir ou recuperar um conjunto de autores sem os quais estaremos irremediavelmente limitados.
Creio que seria necessário um significativo investimento na edição criteriosa de obras de referência, com cuidada apresentação estética e uma efectiva presença no mercado. Sem estes pressupostos, dificilmente criaremos um espaço mais abrangente, onde possam surgir projectos como a recente editora Pedra Angular, que privilegia o território da religião e da espiritualidade, não numa perspectiva confessional, mas numa relação mais ampla e complexa com a cultura.
Falar sobre o diálogo entre a Fé e a Cultura no meio editorial pressupõe, antes da definição de planos editoriais, a definição de um plano estratégico. Para a Igreja esse é um desafio essencial, não só por uma particular vocação editorial, mas sobretudo pelo seu fundamento dialogal. | JRT

2011-12-05



Rodrigo Leão é um acontecimento poético, tem na música Lisboa e Buenos Aires, o mundo inteiro, as mãos e os olhos bem abertos, um livro, o mar ou um beijo de olhos fechados... e coração, tanto coração, coração apertado contra coração, luz morna, noite vagamente febril. Rodrigo Leão é polimórfico, poliédrico, polifónico, polissémico, polissílabo; é um daqueles seres humanos que justifica que Deus tenha criado o Homem à sua imagem e semelhança. E A Montanha Mágica representa a apologia de uma beleza muito rara, híbrida, mestiça às vezes... com especiarias, ervas aromáticas, cores quentes e infusões... café e terracota, um velho impassível debaixo do alpendre ou crianças à chuva, sem guarda-chuva, só Deus nas mãos abertas, nos olhos fechados... | www.rodrigoleao.pt

2011-12-01

No dia 27 de Novembro, o Fado foi reconhecido como Património Imaterial da Humanidade pela UNESCO. Dois livros muito interessantes para contextualizar este reconhecimento: Maria Luísa Guerra, Fado: alma de um povo [Imprensa Nacional, 2003]; Clara Bertrand Cabral, Património Cultural Imaterial: convenção da UNESCO e seus contextos [Edições 70, 2011].


Mariza . Há uma música do povo [Fernando Pessoa / Mário Pacheco]