2011-10-25

© Omar Cleunam


Parece pretensioso que alguém com formação teológica, no contexto que partilhamos, aceite falar ou escrever sobre a “crise”. De facto, interessa-me a crise desde a perspectiva teológica. É verdade que também a teologia pode ser considerada em crise; por estes dias, até Deus parece afectado pela abrangente consciência de crise, já que há muito se falava nas crises que iam desgastando os sistemas religiosos tradicionais e a experiência individual do homem ocidental no âmbito da espiritualidade. A questão é certamente outra, tão envolvente como todas estas: que tipo de crise nos afecta realmente? Sem relativizar aquilo que não é passível de ser relativizado, como é o caso desde a perspectiva económica, importa afirmar que a crise, como conceito e como contexto de mundividência geral, é fundamentalmente um problema que afecta o homem protologicamente, em relação à origem, no estabelecimento de um processo consequente de identidade, e escatologicamente, em relação ao fim último, considerado em termos meta-históricos. A crise é a crise do homem. É verdade que estamos em crise desde que existe auto-consciência; é também verdade que, por vezes, nos afecta mais a consciência de crise do que a própria crise ou os seus efeitos materiais. É ainda verdade que a crise do presente é como uma enfermidade actual: condiciona o sentimento de que nunca sofremos no passado como estamos a sofrer neste momento. E se tudo isto é verdade, também é certo que afecta significativamente o “homem pós-moderno”, reconhecido nas suas fragilidades estruturais, ou seja, em crise desde que lhe foi diagnosticada a pós-modernidade, uma espécie de pandemia que ataca os indivíduos com depressões de todos os tipos e as sociedades com crises de variadíssimas espécies. Seja como for, não me parece irrelevante que se fale em crises que afectam as famílias e outras estruturas sociais de base, como a vizinhança ou as associações; não me parece despropositado que se fale em crise de relações, nem sequer me parece impróprio que se fale em crise de identidade, na medida em que esta crise, que partilhamos no espaço e no tempo, parece-me fundamentalmente uma crise de identidade, de um homem que não sabe quem é, de onde vem ou para onde vai.Pode ser, de facto, uma crise de referências, no que concerne a estruturas tradicionais; pode ser uma crise de relação com Deus; mas resulta fundamentalmente numa crise de identidade, de quem talvez só reconheça que lhe falta poder de compra, um emprego ou, em última análise, o alimento, esse “pão nosso de cada dia” que faltou tantas vezes em conjunturas em que não se falava de crise. | JRT

2011-10-20

Exposição IV Prémio de Arquitectura Religiosa "Frate Sole"

Escola das Artes – Universidade Católica. Porto
14 de Outubro a 4 de Novembro



Prémio atribuído pela fundação italiana "Frate Sole", que distinguiu com o primeiro lugar, na sua edição de 2008, o convento cisterciense de Novy Dvur, na República Checa, do arquitecto inglês John Pawson. A exposição é composta por 17 páineis e apresenta além do primeiro, os cinco segundos-prémios, as três menções honrosas, cinco finalistas e dois outros projectos concorrentes.

O Prémio de Arquitectura Religiosa "Frate Sole"
A Fundação Frate Sole foi criada com o objectivo de promover a excelência artística das igrejas, encorajando activamente a sua construção e sensibilizando as comunidades para que as novas igrejas sejam expressão de autênticas qualidades artísticas e místicas, capazes de criar espaços onde se manifeste a presença de Deus.
Com este objectivo, a Fundação Frate Sole criou, em 1996, o Prémio Internacional de Arquitectura Religiosa "Frate Sole", a ser atribuído de quatro em quatro anos no dia 4 de Outubro, festa de São Francisco de Assis, ao arquitecto que nos dez anos anteriores concebeu o mais significativo edifício religioso de confissão cristã. O vencedor é galardoado com a escultura "Ciel d'Oro", da autoria do P. Constantino Ruggeri, além de receber um prémio monetário no valor de 150 mil euros.
Até à data, foram atribuídos quatro prémios pela Fundação Frate Sole. Em 1996, foi vencedor o arquitecto Tadao Ando, pelos projectos da Capela do Monte Rokko, em Kobe [1985-86], Capela da Água, em Tomamu [1985-88] e Igreja da Luz, em lbaraki [1988-89]. Em 2000, o primeiro prémio foi entregue ao arquitecto Álvaro Siza Vieira, pela Igreja de Santa Maria, em Marco de Canaveses, e, quatro anos depois, ao arquitecto Richard Meier, autor da Igreja de Deus-Pai de Misericórdia, em Tor Tre Teste, Roma.

2011-10-15

© Omar Cleunam


Vivemos um tempo surpreendente! O tempo da crise, aquele em que o sol bate de frente e os fios da teia surgem vivos diante dos nossos olhos. É um tempo negro em que, paradoxalmente, se pode ver muito mais claro. Um tempo muito duro e difícil para muitos; mas, até nessa rudeza injusta, nesse abandono indigno, nessa luz que cega, há uma voz que fala. Um chamamento ao que é o mais importante, ao essencial, ao retorno ao fio do que nos sustenta realmente e não apenas aparentemente. Construímos em dois séculos um castelo de cartão, cheios de luzes e movimento, um carrossel de imperativos e de necessidades, a maioria das vezes sem qualquer encontro, sem qualquer fala, sem qualquer escuta: o que é que o outro quer? Onde é que ele está? De que é que realmente precisa? Não, pensamos que já tudo está dito e sabido. O progresso!
Escutemos, desliguemos a nossa música, fechemos o livro da nossa retórica, façamos silêncio e ouçamos. Muitas horas e dias. Ouçamos. É preciso que as pessoas tenham tempo para se exprimir, na sua linguagem própria e não naquela em que queremos ouvi-los, sobretudo aqueles que se encontram em situações de maior vulnerabilidade. Eles são o fio de prumo. Em algumas áreas é quase necessário recomeçar. O que há em excesso neste ciclo de vida comum, que está a levar-nos à loucura, são os fugitivos ao pelotão. Iluminados, resplandecentes, carregados de soluções, mesmo para os problemas que já não existem. Somos uma sociedade de fugitivos do pelotão, em que só os mais fracos e pobres ficaram para trás – e tudo fizemos para que ficassem, mesmo sem estarmos porventura a dar por isso. Hoje, alimentamos o seu atraso. Por isso, a crise, a radicalidade desta crise, que não é mais uma pequena curva de um ciclo económico. Pára e olha para o fio que está diante dos teus olhos. Que vês?
Estamos nas mãos de curandeiros e adivinhos, vestidos com a pele de economistas e promotores do desenvolvimento social e urbano. Isto vai acabar mal e parece mesmo que a história nada garante. O passado não nos ensina mesmo nada! Só o sol a bater de frente! | Joaquim Azevedo