
É algo poético, talvez… o que ainda não sabemos, o que só pressentimos, o frio nestas latitudes, nestes dias pequenos de Dezembro. É curioso pensarmos que o Natal de Jesus está tão distante de nós em tempo e espaço, em clima e contexto… e ainda assim, buscamos uma intimidade intensa, como se fosse connosco, parte de nós, das nossas memórias, algo tão impressivo como os nossos dias mais impressivos. Sim, é mais fácil abeirarmo-nos do presépio do que da cruz…
É curioso que se a cruz nos traz o mistério da Morte, não é o Natal, mas a Ressurreição, que nos traz o mistério da Vida. O que é que nos dá o Natal? Muito pouco, quase nada… e é esse o mistério do Natal, o que ainda não sabemos, o que só pressentimos. O que o Natal nos dá é uma comovida e poética expressão do Amor de Deus: não sabíamos, nem sequer pressentíamos… que Deus pudesse acontecer tão perto de nós. O mistério do Natal é esse tão perto de nós. O mistério do Natal é a humanidade que se esconde nesse tão perto de nós. É tão perto de nós que nem nos parece possível que possa ser Deus. E creio que foi por isso que me fiz cristão, porque a verdade está onde poucos a procuram, porque Deus está onde poucos o procuram… e o Evangelho é desconcertante, porque nos diz – sem assombros ou complexos recursos literários, mas com uma simplicidade desarmante – que Deus decidiu redimir a humanidade e, no seu projecto de salvação, dá ao mundo e ao tempo o seu Filho… e este Filho de Deus é o Filho do Homem, e nasce tão humano, tão frágil, num contexto tão humilde, tão perto de nós… e nasce tão longe das luzes da ribalta, tão longe do Império, tão longe dos reis e dos príncipes do mundo, tão longe dos sacerdotes; nasce em segredo, tão perto de nós. É o mistério do Natal… ainda não sabemos, mas já pressentimos. Creio que foi por isso que me fiz cristão… o resto vem depois. Não é difícil acreditar na divindade de Jesus… hoje [como há 2000 anos…] não escasseiam pretensos deuses, deuses para isto e deuses para aquilo, deuses para tudo e deuses para nada; difícil é acreditar na humanidade de Jesus… hoje [como há 2000 anos…] é tão difícil acreditar no Homem. E esse é o mistério do Natal, como num poema de José Tolentino Mendonça:
"O Seu advento encontra-nos sempre impreparados
e, contudo, este é o momento em que
por puro dom se nasce.
A Sua vinda testemunha o que não sabíamos ainda:
a nossa frágil humanidade é narração
da autobiografia de Deus."