© Omar Cleunam

Tudo o que o Estado tem e faz deve-o ao facto de o ter tirado aos cidadãos por um preço que estes nunca recuperarão, pois é sempre superior ao que é devolvido e ainda por cima, devolvido em condições sociais muito piores do que aquelas que os cidadãos e as suas organizações poderiam criar e usufruir em comum. Acontece, entre outras coisas, que estas instituições defendem o mesmo que o Estado, ou seja, que o Estado as apoie directamente, ou seja, depois de ter sido retirado o poder [económico, mas não só, sobretudo político], o poder de acção dos cidadãos e das suas organizações. A Igreja e outras instituições sociais autónomas, perderam, ao longo dos tempos, a sua autonomia e fizeram-se participantes deste poder estatal ou poder único e centralmente gerido. A Igreja nem está a ser capaz de distinguir a Doutrina Social da Igreja do “Estado Social”! Para muitos católicos é uma e a mesma coisa. E assim, está tudo bem, bate a bota com a perdigota. Bateria, mas não bate. Se não se estivesse, com a entrega dos impostos, a entregar todo o poder de decisão local e das pessoas concretas, o fazerem face a seu modo aos seus problemas concretos, de modo auto e heteroregulado. Mesmo o dinheiro oriundo dos donativos voluntários dos “fiéis”, que pretendem dar vida espontâneamente às expressões agregativas das comunidades, vai ter de se misturar com o dinheiro oriundo do Estado, tendo de passar a integrar e obedecer às regras deste, nacionais, centralistas e autoconsumidoras de parte importante desses recursos, perdendo toda a sua originalidade, ou seja, grande parte do poder que os cidadãos católicos lhe conferem ao entregarem esses recursos e esse poder na mão da Igreja. A Igreja encostou-se ao Estado dito social de um modo escandaloso, promovendo-o de modo despudorado. Se ele se mantém em vigor, com tanta dificuldade em se tomar em linha de conta esta mecânica subreptícia do Estado controlador, despesista e devorador de grande parte dos recursos arrecadados à força aos cidadãos, sustentado na violência da lei, é em grande parte devido a este poder que a Igreja lhe tem vindo a dar, gratuitamente ou a troco de uns trocos.
A DSI tem como pilar da sua doutrina, além da dignidade da pessoa humana, a busca do bem comum, a subsidiariedade e a solidariedade, o célebre número 160 do Compêndio da DSI [Principia, 2005]. E por esta ordem, sendo que na primeira tudo o resto de fundamenta. E a busca do bem comum, esse “conjunto das condições da vida social que permitem, tanto aos grupos como a cada membro, alcançar mais plena e facilmente a própria perfeição”, implica toda a sociedade, a todos os seus níveis, na busca do bem comum, “o bem de todos os homens e do homem todo” [164 e 165]. E a DSI é clara ao assinalar, sem dúvidas, que “todas as sociedades de ordem superior devem pôr-se em atitude de ajuda [subsidium] – e portanto de apoio, promoção e incremento – em relação às menores” e ao referir que “assim como é injusto subtrair aos indivíduos o que eles querem efectuar com a própria iniciativa e trabalho, para o confiar à comunidade, do mesmo modo, passar para uma sociedade maior e mais elevada o que as comunidades menores e inferiores podiam realizar, é uma injustiça. [...] O fim natural da sociedade e da sua acção é coadjuvar os seus membros, e não destrui-los nem absorvê-los” [186, citando a Quadragesimo Anno, de 1931].
As palavras escolhidas foram, destruição e absorção. Não foram outras. E é isso que tem acontecido, a destruição dos bens dos cidadãos, que foram colocados ou coerciva ou espontâneamente ao serviço do bem comum, absorvendo-os para alimentar uma gigantesca máquina do dito “Estado social” [que não é mais do que um Estado estatal], com todo o beneplácito da Igreja portuguesa! O Estado, só agora é que parece que abrimos os olhos, devora quase metade do que devolve em oportunidades sociais e estas são pessimamente geridas porque subordinadas a princípios que não o do bem comum, da subsidiariedade e da solidariedade [como supostamente diz que obedece]. O bem dos amigos primeiro, dos correlegionários partidários depois, o bem da tribo a seguir e finalmente, o bem dos cidadãos, a que chamam contribuintes. Até esta designação é emblemática: quem alimenta tudo isto, para o serviço da dignidade das pessoas todas e de cada pessoa, é apelidado de contribuinte, de ajudante, de subsidiário, pois está a contribuir para um bem dito maior, que o Estado definirá qual seja em cada momento. É a completa inversão dos princípios, que arrasta a inversão dos valores!
E a Igreja aceita que as suas instituições autónomas entrem quase todas neste ritmo, nesta cadência, ao longo de muitas décadas, transformando os “fiéis” em contribuintes, subvertendo os seus princípios e valores e contribuindo para este desmando brutal a que chegámos, seja na Grécia, seja em Portugal ou na Itália ou na Espanha. A dívida pública cresceu para valores incomportáveis e, como o nosso dinheiro já não chegava, foi também o dinheiro dos bancos e quando aí se chegou é que se decidiu parar: quando já não havia mais dinheiro para gastar. Ninguém o dava, nem aqui nem em qualquer lugar do mundo. Como somos enganados e como deixámos a Sabedoria à porta da nossa casa, sem nada lhe ligar! O “Estado social” é um tremendo equívoco em que entrou quase toda a sociedade, mas onde a Igreja continua a jogar um tremendo jogo de infidelidade.
Como a crise é, também para a Igreja, uma grande oportunidade! | JA

Tudo o que o Estado tem e faz deve-o ao facto de o ter tirado aos cidadãos por um preço que estes nunca recuperarão, pois é sempre superior ao que é devolvido e ainda por cima, devolvido em condições sociais muito piores do que aquelas que os cidadãos e as suas organizações poderiam criar e usufruir em comum. Acontece, entre outras coisas, que estas instituições defendem o mesmo que o Estado, ou seja, que o Estado as apoie directamente, ou seja, depois de ter sido retirado o poder [económico, mas não só, sobretudo político], o poder de acção dos cidadãos e das suas organizações. A Igreja e outras instituições sociais autónomas, perderam, ao longo dos tempos, a sua autonomia e fizeram-se participantes deste poder estatal ou poder único e centralmente gerido. A Igreja nem está a ser capaz de distinguir a Doutrina Social da Igreja do “Estado Social”! Para muitos católicos é uma e a mesma coisa. E assim, está tudo bem, bate a bota com a perdigota. Bateria, mas não bate. Se não se estivesse, com a entrega dos impostos, a entregar todo o poder de decisão local e das pessoas concretas, o fazerem face a seu modo aos seus problemas concretos, de modo auto e heteroregulado. Mesmo o dinheiro oriundo dos donativos voluntários dos “fiéis”, que pretendem dar vida espontâneamente às expressões agregativas das comunidades, vai ter de se misturar com o dinheiro oriundo do Estado, tendo de passar a integrar e obedecer às regras deste, nacionais, centralistas e autoconsumidoras de parte importante desses recursos, perdendo toda a sua originalidade, ou seja, grande parte do poder que os cidadãos católicos lhe conferem ao entregarem esses recursos e esse poder na mão da Igreja. A Igreja encostou-se ao Estado dito social de um modo escandaloso, promovendo-o de modo despudorado. Se ele se mantém em vigor, com tanta dificuldade em se tomar em linha de conta esta mecânica subreptícia do Estado controlador, despesista e devorador de grande parte dos recursos arrecadados à força aos cidadãos, sustentado na violência da lei, é em grande parte devido a este poder que a Igreja lhe tem vindo a dar, gratuitamente ou a troco de uns trocos.
A DSI tem como pilar da sua doutrina, além da dignidade da pessoa humana, a busca do bem comum, a subsidiariedade e a solidariedade, o célebre número 160 do Compêndio da DSI [Principia, 2005]. E por esta ordem, sendo que na primeira tudo o resto de fundamenta. E a busca do bem comum, esse “conjunto das condições da vida social que permitem, tanto aos grupos como a cada membro, alcançar mais plena e facilmente a própria perfeição”, implica toda a sociedade, a todos os seus níveis, na busca do bem comum, “o bem de todos os homens e do homem todo” [164 e 165]. E a DSI é clara ao assinalar, sem dúvidas, que “todas as sociedades de ordem superior devem pôr-se em atitude de ajuda [subsidium] – e portanto de apoio, promoção e incremento – em relação às menores” e ao referir que “assim como é injusto subtrair aos indivíduos o que eles querem efectuar com a própria iniciativa e trabalho, para o confiar à comunidade, do mesmo modo, passar para uma sociedade maior e mais elevada o que as comunidades menores e inferiores podiam realizar, é uma injustiça. [...] O fim natural da sociedade e da sua acção é coadjuvar os seus membros, e não destrui-los nem absorvê-los” [186, citando a Quadragesimo Anno, de 1931].
As palavras escolhidas foram, destruição e absorção. Não foram outras. E é isso que tem acontecido, a destruição dos bens dos cidadãos, que foram colocados ou coerciva ou espontâneamente ao serviço do bem comum, absorvendo-os para alimentar uma gigantesca máquina do dito “Estado social” [que não é mais do que um Estado estatal], com todo o beneplácito da Igreja portuguesa! O Estado, só agora é que parece que abrimos os olhos, devora quase metade do que devolve em oportunidades sociais e estas são pessimamente geridas porque subordinadas a princípios que não o do bem comum, da subsidiariedade e da solidariedade [como supostamente diz que obedece]. O bem dos amigos primeiro, dos correlegionários partidários depois, o bem da tribo a seguir e finalmente, o bem dos cidadãos, a que chamam contribuintes. Até esta designação é emblemática: quem alimenta tudo isto, para o serviço da dignidade das pessoas todas e de cada pessoa, é apelidado de contribuinte, de ajudante, de subsidiário, pois está a contribuir para um bem dito maior, que o Estado definirá qual seja em cada momento. É a completa inversão dos princípios, que arrasta a inversão dos valores!
E a Igreja aceita que as suas instituições autónomas entrem quase todas neste ritmo, nesta cadência, ao longo de muitas décadas, transformando os “fiéis” em contribuintes, subvertendo os seus princípios e valores e contribuindo para este desmando brutal a que chegámos, seja na Grécia, seja em Portugal ou na Itália ou na Espanha. A dívida pública cresceu para valores incomportáveis e, como o nosso dinheiro já não chegava, foi também o dinheiro dos bancos e quando aí se chegou é que se decidiu parar: quando já não havia mais dinheiro para gastar. Ninguém o dava, nem aqui nem em qualquer lugar do mundo. Como somos enganados e como deixámos a Sabedoria à porta da nossa casa, sem nada lhe ligar! O “Estado social” é um tremendo equívoco em que entrou quase toda a sociedade, mas onde a Igreja continua a jogar um tremendo jogo de infidelidade.
Como a crise é, também para a Igreja, uma grande oportunidade! | JA