© Omar Cleunam

Parece pretensioso que alguém com formação teológica, no contexto que partilhamos, aceite falar ou escrever sobre a “crise”. De facto, interessa-me a crise desde a perspectiva teológica. É verdade que também a teologia pode ser considerada em crise; por estes dias, até Deus parece afectado pela abrangente consciência de crise, já que há muito se falava nas crises que iam desgastando os sistemas religiosos tradicionais e a experiência individual do homem ocidental no âmbito da espiritualidade. A questão é certamente outra, tão envolvente como todas estas: que tipo de crise nos afecta realmente? Sem relativizar aquilo que não é passível de ser relativizado, como é o caso desde a perspectiva económica, importa afirmar que a crise, como conceito e como contexto de mundividência geral, é fundamentalmente um problema que afecta o homem protologicamente, em relação à origem, no estabelecimento de um processo consequente de identidade, e escatologicamente, em relação ao fim último, considerado em termos meta-históricos. A crise é a crise do homem. É verdade que estamos em crise desde que existe auto-consciência; é também verdade que, por vezes, nos afecta mais a consciência de crise do que a própria crise ou os seus efeitos materiais. É ainda verdade que a crise do presente é como uma enfermidade actual: condiciona o sentimento de que nunca sofremos no passado como estamos a sofrer neste momento. E se tudo isto é verdade, também é certo que afecta significativamente o “homem pós-moderno”, reconhecido nas suas fragilidades estruturais, ou seja, em crise desde que lhe foi diagnosticada a pós-modernidade, uma espécie de pandemia que ataca os indivíduos com depressões de todos os tipos e as sociedades com crises de variadíssimas espécies. Seja como for, não me parece irrelevante que se fale em crises que afectam as famílias e outras estruturas sociais de base, como a vizinhança ou as associações; não me parece despropositado que se fale em crise de relações, nem sequer me parece impróprio que se fale em crise de identidade, na medida em que esta crise, que partilhamos no espaço e no tempo, parece-me fundamentalmente uma crise de identidade, de um homem que não sabe quem é, de onde vem ou para onde vai.Pode ser, de facto, uma crise de referências, no que concerne a estruturas tradicionais; pode ser uma crise de relação com Deus; mas resulta fundamentalmente numa crise de identidade, de quem talvez só reconheça que lhe falta poder de compra, um emprego ou, em última análise, o alimento, esse “pão nosso de cada dia” que faltou tantas vezes em conjunturas em que não se falava de crise. | JRT
Parece pretensioso que alguém com formação teológica, no contexto que partilhamos, aceite falar ou escrever sobre a “crise”. De facto, interessa-me a crise desde a perspectiva teológica. É verdade que também a teologia pode ser considerada em crise; por estes dias, até Deus parece afectado pela abrangente consciência de crise, já que há muito se falava nas crises que iam desgastando os sistemas religiosos tradicionais e a experiência individual do homem ocidental no âmbito da espiritualidade. A questão é certamente outra, tão envolvente como todas estas: que tipo de crise nos afecta realmente? Sem relativizar aquilo que não é passível de ser relativizado, como é o caso desde a perspectiva económica, importa afirmar que a crise, como conceito e como contexto de mundividência geral, é fundamentalmente um problema que afecta o homem protologicamente, em relação à origem, no estabelecimento de um processo consequente de identidade, e escatologicamente, em relação ao fim último, considerado em termos meta-históricos. A crise é a crise do homem. É verdade que estamos em crise desde que existe auto-consciência; é também verdade que, por vezes, nos afecta mais a consciência de crise do que a própria crise ou os seus efeitos materiais. É ainda verdade que a crise do presente é como uma enfermidade actual: condiciona o sentimento de que nunca sofremos no passado como estamos a sofrer neste momento. E se tudo isto é verdade, também é certo que afecta significativamente o “homem pós-moderno”, reconhecido nas suas fragilidades estruturais, ou seja, em crise desde que lhe foi diagnosticada a pós-modernidade, uma espécie de pandemia que ataca os indivíduos com depressões de todos os tipos e as sociedades com crises de variadíssimas espécies. Seja como for, não me parece irrelevante que se fale em crises que afectam as famílias e outras estruturas sociais de base, como a vizinhança ou as associações; não me parece despropositado que se fale em crise de relações, nem sequer me parece impróprio que se fale em crise de identidade, na medida em que esta crise, que partilhamos no espaço e no tempo, parece-me fundamentalmente uma crise de identidade, de um homem que não sabe quem é, de onde vem ou para onde vai.Pode ser, de facto, uma crise de referências, no que concerne a estruturas tradicionais; pode ser uma crise de relação com Deus; mas resulta fundamentalmente numa crise de identidade, de quem talvez só reconheça que lhe falta poder de compra, um emprego ou, em última análise, o alimento, esse “pão nosso de cada dia” que faltou tantas vezes em conjunturas em que não se falava de crise. | JRT