Opéra, Paris [1890]
No dia 26 de Outubro de 1890, António Nobre chega a Paris e instala-se no n.º 2 da Rue Racine; no dia 1 de Dezembro muda-se para o n.º 12 da Rue de la Sorbonne; no dia 28 de Fevereiro de 1891 muda-se novamente, desta vez para o n.º 41 da Rua de Écoles e, no dia 1 de Novembro do mesmo ano, instala-se no Boulevard St. Michel. Em 1892 vive no n.º 21 da Rue Valette. Entre Novembro de 1893 e Janeiro de 1895 [quando regressa definitivamente a Portugal], vive novamente na Rue de la Sorbonne [n.º 18], dois dias na Rue de Cryar [n.º 16] e, finalmente, na Rue des Écoles [n.º 41].
A Torre Eiffel acabara de ser construída quando, em 1890, António Nobre chega a Paris. Durante esses anos, o poeta perde o irmão [Júlio] e o pai, regressa algumas vezes a Portugal, aparecem os primeiros sintomas da tuberculose, surgem dificuldades económicas e licencia-se em Direito na Sorbonne. No dia 21 de Abril de 1892, o livreiro Léon Vanier [editor de Verlaine, Mallarmé ou Rimbaud], imprime 200 exemplares do Só, um dos mais importantes documentos da História da Literatura Portuguesa, um livro que não se descreve, nem se explica sem que um dia tenhamos sentido saudades de Portugal, enquanto deambulávamos [desterrados] pelas ruas do Quartier Latin.
Oito anos depois da edição do Só, António Nobre morre no Porto, vítima de tuberculose… ou dessa enfermidade [poética] que não é bem tristeza, nem é só saudade e que tem a ver com o facto de certos poetas serem [ainda] aqueles seres humanos que existem mais desapaixonadamente, porque por instantes conheceram uma beleza incontida e inefável, um milagre... e parece-lhes trágico ter que suportar o resto da vida.
António Nobre [1889]
Não foi há muito tempo que, descendo de Montmartre para a Opéra, passei perto da Rue de Trévise, em Paris. Lembrei-me de um episódio de 1891: Sampaio Bruno tinha acabado de chegar a Paris [exilado do 31 de Janeiro]. Lêem-se estas palavras no prefácio de Despedidas [livro póstumo de António Nobre, publicado no Porto, em 1902]: "Na escura rua de Trévise me procurou, abandonando por horas a sua preferida margem esquerda, de que lhe era tão penoso afastar-se, António Nobre, uma tarde em que eu sofria cruelmente. Esta visita sensibilizou-me; como me encantou a conversação do poeta, pelo tom subtil da melindrosa reserva na consolação, a um tempo caridosa e primorosa, d'um'alma em carne viva, como a minha por então andava."
António Nobre, nessa tarde de 1891, abandona o [seu] Quartier Latin e visita Sampaio Bruno, no Quartier du Faubourg-Montmartre. Na Rue de Trévise, em Paris, encontraram-se dois dos mais importantes intelectuais portugueses do século XIX: o filósofo e o poeta. Por um instante, "o spleen de Paris" foi mais português do que nunca… Baudelaire já dormia no Cemitério de Montparnasse há 24 anos e seria preciso esperar 25 anos para que Mário de Sá-Carneiro pusesse fim à sua vida no Hôtel de Nice, em Montmartre.
Talvez não seja importante… mas para mim o encontro entre Sampaio Bruno e António Nobre, em Paris, é um daqueles momentos muito raros, com uma beleza secreta, escondida, desadornada. As palavras de Sampaio Bruno são como uma melopeia, guardam essa tristeza [quase] redentora que reconhecemos naquelas "canções que as mães dedicam aos filhos doentes", como se lê num poema do José Tolentino Mendonça. | José Rui Teixeira
No dia 26 de Outubro de 1890, António Nobre chega a Paris e instala-se no n.º 2 da Rue Racine; no dia 1 de Dezembro muda-se para o n.º 12 da Rue de la Sorbonne; no dia 28 de Fevereiro de 1891 muda-se novamente, desta vez para o n.º 41 da Rua de Écoles e, no dia 1 de Novembro do mesmo ano, instala-se no Boulevard St. Michel. Em 1892 vive no n.º 21 da Rue Valette. Entre Novembro de 1893 e Janeiro de 1895 [quando regressa definitivamente a Portugal], vive novamente na Rue de la Sorbonne [n.º 18], dois dias na Rue de Cryar [n.º 16] e, finalmente, na Rue des Écoles [n.º 41].
A Torre Eiffel acabara de ser construída quando, em 1890, António Nobre chega a Paris. Durante esses anos, o poeta perde o irmão [Júlio] e o pai, regressa algumas vezes a Portugal, aparecem os primeiros sintomas da tuberculose, surgem dificuldades económicas e licencia-se em Direito na Sorbonne. No dia 21 de Abril de 1892, o livreiro Léon Vanier [editor de Verlaine, Mallarmé ou Rimbaud], imprime 200 exemplares do Só, um dos mais importantes documentos da História da Literatura Portuguesa, um livro que não se descreve, nem se explica sem que um dia tenhamos sentido saudades de Portugal, enquanto deambulávamos [desterrados] pelas ruas do Quartier Latin.
Oito anos depois da edição do Só, António Nobre morre no Porto, vítima de tuberculose… ou dessa enfermidade [poética] que não é bem tristeza, nem é só saudade e que tem a ver com o facto de certos poetas serem [ainda] aqueles seres humanos que existem mais desapaixonadamente, porque por instantes conheceram uma beleza incontida e inefável, um milagre... e parece-lhes trágico ter que suportar o resto da vida.
António Nobre [1889]
Não foi há muito tempo que, descendo de Montmartre para a Opéra, passei perto da Rue de Trévise, em Paris. Lembrei-me de um episódio de 1891: Sampaio Bruno tinha acabado de chegar a Paris [exilado do 31 de Janeiro]. Lêem-se estas palavras no prefácio de Despedidas [livro póstumo de António Nobre, publicado no Porto, em 1902]: "Na escura rua de Trévise me procurou, abandonando por horas a sua preferida margem esquerda, de que lhe era tão penoso afastar-se, António Nobre, uma tarde em que eu sofria cruelmente. Esta visita sensibilizou-me; como me encantou a conversação do poeta, pelo tom subtil da melindrosa reserva na consolação, a um tempo caridosa e primorosa, d'um'alma em carne viva, como a minha por então andava."
António Nobre, nessa tarde de 1891, abandona o [seu] Quartier Latin e visita Sampaio Bruno, no Quartier du Faubourg-Montmartre. Na Rue de Trévise, em Paris, encontraram-se dois dos mais importantes intelectuais portugueses do século XIX: o filósofo e o poeta. Por um instante, "o spleen de Paris" foi mais português do que nunca… Baudelaire já dormia no Cemitério de Montparnasse há 24 anos e seria preciso esperar 25 anos para que Mário de Sá-Carneiro pusesse fim à sua vida no Hôtel de Nice, em Montmartre.
Talvez não seja importante… mas para mim o encontro entre Sampaio Bruno e António Nobre, em Paris, é um daqueles momentos muito raros, com uma beleza secreta, escondida, desadornada. As palavras de Sampaio Bruno são como uma melopeia, guardam essa tristeza [quase] redentora que reconhecemos naquelas "canções que as mães dedicam aos filhos doentes", como se lê num poema do José Tolentino Mendonça. | José Rui Teixeira
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