2013-05-07

Opéra, Paris [1890]


No dia 26 de Outubro de 1890, António Nobre chega a Paris e instala-se no n.º 2 da Rue Racine; no dia 1 de Dezembro muda-se para o n.º 12 da Rue de la Sorbonne; no dia 28 de Fevereiro de 1891 muda-se novamente, desta vez para o n.º 41 da Rua de Écoles e, no dia 1 de Novembro do mesmo ano, instala-se no Boulevard St. Michel. Em 1892 vive no n.º 21 da Rue Valette. Entre Novembro de 1893 e Janeiro de 1895 [quando regressa definitivamente a Portugal], vive novamente na Rue de la Sorbonne [n.º 18], dois dias na Rue de Cryar [n.º 16] e, finalmente, na Rue des Écoles [n.º 41].
A Torre Eiffel acabara de ser construída quando, em 1890, António Nobre chega a Paris. Durante esses anos, o poeta perde o irmão [Júlio] e o pai, regressa algumas vezes a Portugal, aparecem os primeiros sintomas da tuberculose, surgem dificuldades económicas e licencia-se em Direito na Sorbonne. No dia 21 de Abril de 1892, o livreiro Léon Vanier [editor de Verlaine, Mallarmé ou Rimbaud], imprime 200 exemplares do , um dos mais importantes documentos da História da Literatura Portuguesa, um livro que não se descreve, nem se explica sem que um dia tenhamos sentido saudades de Portugal, enquanto deambulávamos [desterrados] pelas ruas do Quartier Latin.
Oito anos depois da edição do , António Nobre morre no Porto, vítima de tuberculose… ou dessa enfermidade [poética] que não é bem tristeza, nem é só saudade e que tem a ver com o facto de certos poetas serem [ainda] aqueles seres humanos que existem mais desapaixonadamente, porque por instantes conheceram uma beleza incontida e inefável, um milagre... e parece-lhes trágico ter que suportar o resto da vida.

António Nobre [1889]


Não foi há muito tempo que, descendo de Montmartre para a Opéra, passei perto da Rue de Trévise, em Paris. Lembrei-me de um episódio de 1891: Sampaio Bruno tinha acabado de chegar a Paris [exilado do 31 de Janeiro]. Lêem-se estas palavras no prefácio de Despedidas [livro póstumo de António Nobre, publicado no Porto, em 1902]: "Na escura rua de Trévise me procurou, abandonando por horas a sua preferida margem esquerda, de que lhe era tão penoso afastar-se, António Nobre, uma tarde em que eu sofria cruelmente. Esta visita sensibilizou-me; como me encantou a conversação do poeta, pelo tom subtil da melindrosa reserva na consolação, a um tempo caridosa e primorosa, d'um'alma em carne viva, como a minha por então andava."
António Nobre, nessa tarde de 1891, abandona o [seu] Quartier Latin e visita Sampaio Bruno, no Quartier du Faubourg-Montmartre. Na Rue de Trévise, em Paris, encontraram-se dois dos mais importantes intelectuais portugueses do século XIX: o filósofo e o poeta. Por um instante, "o spleen de Paris" foi mais português do que nunca… Baudelaire já dormia no Cemitério de Montparnasse há 24 anos e seria preciso esperar 25 anos para que Mário de Sá-Carneiro pusesse fim à sua vida no Hôtel de Nice, em Montmartre.
Talvez não seja importante… mas para mim o encontro entre Sampaio Bruno e António Nobre, em Paris, é um daqueles momentos muito raros, com uma beleza secreta, escondida, desadornada. As palavras de Sampaio Bruno são como uma melopeia, guardam essa tristeza [quase] redentora que reconhecemos naquelas "canções que as mães dedicam aos filhos doentes", como se lê num poema do José Tolentino Mendonça. | José Rui Teixeira