2013-05-12




"Homens da Galileia, por que estais assim, de olhos fixos no Céu?"
Quantas vezes ficamos paralisados, a olhar para o Céu, como se aquilo que possuíamos, tivéssemos deixado de possuir; como se a súbita ausência não pudesse representar a caixa-de-ressonância onde a presença se torna mais pura; como se um certo sentimento de abandono nos condenasse ao entorpecimento das mãos e dos pés, à fossilização do coração.
Com efeito, vivemos como se o Evangelho de Cristo fosse um dado adquirido, algo que não exigisse mais do que tê-lo ouvido alguma vez.
Vivemos como se para 'ser cristão' nos bastasse uma 'área de conforto' devidamente delimitada, a condição apaziguada de quem vive bem sem questionar o espaço de que dispõe para situar o seu processo de conversão pessoal ou um sentido para a missão de anunciar, testemunhar o Evangelho.
Vivemos como se 'ser Igreja' nos suscitasse o ensimesmamento auto-indulgente e autocomprazido das sociedades secretas ou dos clubes privados… Ou vivemos anestesiados com a pretensão de 'Cristandade', narcotizados com patéticas vaidades alimentadas pela promiscuidade entre a Igreja e o Estado, com concordatas e 'concordatices' em que o Evangelho é sistematicamente preterido em função das relações de poder e dos braços-de-ferro da 'realpolitik'. Vivemos entorpecidos pelas estatísticas, pela síndrome dos 99%; ou com a tentação de fazer Igreja à parte.
Mas, neste domingo da Ascensão, percebemos que essa missão de anunciar o Evangelho, em qualquer sítio e situação, é identitária, diz quem somos, explica como vivemos, testemunha o conteúdo da nossa fé e a verdade do nosso amor, e revela o modo como espera-mos… e é a nossa esperança que nos permite anunciar o Evangelho como se a nossa vida, enquanto cristãos, dependesse profundamente dessa partilha. Anunciamos o Evangelho, porque o Evangelho existe em nós na proporção e na medida em que o anunciamos; o Evangelho redime as nossas vidas na proporção e na medida em que o testemunhamos; o Evangelho resulta no Reino de Deus na proporção e na medida em que o partilhamos.
Não há segredos… se não reconhecemos o Evangelho em nós, é porque não o anunciamos; se não permitimos que o Evangelho redi-ma as nossas vidas, é porque não o testemunhamos; se o nosso mundo não é ainda o Reino de Deus, é porque ainda não conseguimos [ainda não soubemos] partilhá-lo.
Recordo uma reflexão de Paul Tillich: "Não é fácil pregar cada domingo sem se elevar a pretensão de possuir Deus e de poder dispor dele. Não é fácil pregar Deus às crianças e aos pagãos, aos cépticos e aos ateus, e ter de lhes explicar, ao mesmo tempo, que nós próprios não possuímos Deus, mas que o esperamos. Eu estou convencido de que a resistência ao cristianismo vem em grande parte do facto dos cristãos, abertamente ou não, erguerem a pretensão de possuir Deus e terem assim perdido o elemento de expectativa."
"Este Jesus que, de junto de vós, vos foi arrebatado, voltará da mesma maneira que o vistes partir para o Céu", lemos nos Atos dos Apóstolos. É isso… é por isso que esperamos e é por isso que sabemos e sentimos que faz sentido esperá-lo… esperá-lo sem a ilusão de possuí-lo; esperá-lo porque Deus é de esperar, não é de possuir; esperá-lo porque nós somos de esperar, não somos de possuir.
E é por isso que nos reunimos domingo-a-domingo, para guardar o futuro e porque o nosso coração espera como se batesse e bate como se esperasse... a vinda de Cristo. | José Rui Teixeira