2012-12-22

Feliz Natal ...

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Georges de La Tour [1593-1652] . A Natividade [1645-1648]



Estamos na periferia do Natal. Somos na periferia do Natal. No início do Advento, escrevi que estamos [na condição de cristãos] em Advento… somos em Advento, somos Advento. Hoje sinto que estamos [que somos] na periferia do Natal de Cristo, estamos a ganhar proximidade, uma proximidade íntima com a memória do presépio e com a mais luminosa esperança, o coração da nossa esperança: a vinda de Cristo.
Não podemos entender este contexto [a própria orgânica do ano litúrgico] sem esta consciência de que fazemos memória ['fazemos' no sentido de 'celebramos'] enquanto 'guardamos o futuro'. E isso só é possível com a inteligência da Fé, com a ciência da Esperança, com a poética do Amor, porque o que vivemos, o que experimentamos, o que somos… é 'já agora' e 'ainda não'. Não se trata de uma espécie de esquizofrenia, nem desassossego existencialista ou inquietude pós-moderna… é Escatologia: a consciência histórica do passado é estrutural [o Caminho que percorremos], o futuro é a nossa vocação [já disse que a Igreja 'não tem' futuro… a Igreja 'é' o futuro], mas o presente é a nossa condição, o tempo da nossa santificação, um presente em sentido absoluto, aqui e agora.
Por isso, é verdade que carregamos as nossas angústias, os nossos medos, as nossas apreensões, os nossos desassossegos… afinal nada do que é humano nos é alheio. Mas é HOJE que eu colho a esperança que ontem semeei, é HOJE que semeio a esperança que amanhã colherei; é HOJE que eu sou, que me santifico e santifico o meu contexto existencial, é HOJE que me converto, é HOJE que digo o 'Pater' como se fosse a primeira vez, como se fosse a última vez, fundamentalmente como se fosse a única vez. Isto é tão fácil e eu bem sei que é difícil… tão fácil e tão difícil como o Sermão da Montanha, como o Evangelho… mas quem, entre nós, já desistiu do Evangelho? Quem, entre nós, já desistiu do Sermão da Montanha? Não basta ler [no caso de termos lido…], não basta compreender [no caso de termos compreendido…], é essencial viver, assumir no quotidiano, concretizar no dia-a-dia, experimentar nas relações, nas rotinas… Quem, entre nós, já desistiu de Cristo?

Dizia que o Natal implica uma proximidade íntima com o presépio. O que é que isso significa? Não somos saudosistas nem assumimos o ano litúrgico como uma espécie de eterno retorno do mesmo; por isso, o presépio não é para nós um motivo de comprazimento em torno de bonequinhos. O presépio e a proximidade íntima com o seu contexto evangélico, permite-nos [de um modo tão poético…] perceber a natureza impressiva e desconcertante do Amor de Deus; mas o segredo não está apenas no presépio… está na proximidade, esta na intimidade e está, fundamentalmente, no Amor de Deus.
Quando nos aproximamos intimamente do presépio, estamos a 'fazer memória', e estamos a 'guardar o futuro'… mas o segredo não se esconde nos verbos 'fazer' ou 'guardar', mas no presente do indicativo de 'estar': 'estamos'… Quando nos aproximamos intimamente do presépio, esquecemos o folclore, esquecemos os excessos desse natal que nos roubou o Natal, esquecemos o consumo, uma certa embriaguez ou loucura que só a crise [ou nem a crise…] consegue refrear. Quando nos aproximamos intimamente do presépio, percebemos que o natal não precisa da família [reunida]… a família é que precisa do Natal para ser Família. Quando nos aproximamos intimamente do presépio, percebemos como a palavra 'consoada' se tornou quase boçal… esse natal do bacalhau cozido e dos doces que nos adoçam a boca azeda, azedada pela 'religião dos mortos', pela desolação das nossas memórias, pelos nossos ressentimentos.

E se nos aproximarmos intimamente do presépio, pode ser que percebamos o Sermão da Montanha como a nossa Regra de Vida; pode ser que percebamos CRISTO como Cristo em nós e nós n’Ele, aqui e agora, tão intimamente próximos quanto nos permite o presépio. | JRT