A vocação de ser pessoa
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Há uma reflexão que deveria ter sempre a precedência, tanto na formação dos jovens como na nossa vida em geral: o que é uma pessoa, o que é que nos faz ser pessoas, somos pessoas para quê? Vivemos num mundo em que é fácil sermos apanhados por modelos e modelados por fora, sem darmos por isso, por teorias e modas que nos impedem a liberdade individual e a manifestação de toda a nossa humanidade.
Confunde-se muito, nos dias de hoje, o ser pessoa com a consciência de si e com a manifestação das competências de cada um. A pessoa, retomando Levinàs e um texto de E. Housset [na 'Études' deste mês de Outubro, que recomendo e que aqui sigo], é uma resposta a um apelo; um apelo que vem constantemente dos outros e do mundo que nos rodeia. O que nos vertebrera como seres únicos é essa nossa capacidade única de responder a estes apelos ao longo de toda a vida, colocando-nos na posição de peregrinos: estamos sempre de partida, permanecemos toda a vida na ignorância acerca do nosso lugar, incapazes de tudo ligar e de tudo abarcar, para nos unificarmos. A nossa unidade só se pode ir encontrando lentamente nesta resposta que vamos dando aos apelos que nos surgem das mais variadas formas e nos mais diversos contextos, todos os dias da nossa vida.
A nossa liberdade é total, a missão de cada ser humano será sempre única.
A consciência do dever não provém sobretudo de uma consciência de si ou de uma representação de si, diz Housset, mas da escuta paciente do que acontece. Esta escuta dos apelos é sempre humilde e nela se manifestam tanto a nossa finitude e fragilidade, como a nossa graça. Quando olhamos para trás, para o caminho percorrido pela nossa vida, no rasto-testemunho que vamos deixando, vemos com facilidade o quanto a nossa vida se manifestou em concretizações e realizações que estiveram muito para além das representações que fomos fazendo de nós mesmos. A verdade da nossa vida não a produzimos nem nos pertence. Ela é construída nessa resposta à verdade do mundo e da realidade, de modo inesperado.
As múltiplas fantasias em que vivemos mergulhados, que nos trouxeram até esta crise, não são nada alheias a este conceito do que é ser pessoa. Idealizamos, fantasiamo-nos como heróis, super-ídolos, génios, grandes referências construídas de dentro para fora, do nosso perfil de competências para os outros e para a realidade. Nunca tanto se falou em competências e nunca nos sentimos tão incompetentes e impotentes.
Ora ser pessoa é decidir dar-se, "tornar-se pessoa consiste em aceitar ser testemunha, agindo e contemplando, renunciando à posição confortável de ser um simples espectador neutro do teatro do mundo". Por isso, ser pessoa é uma tarefa para humildes, prudentes e pacientes, porque só esse é o tempo de escutar e de discernir acerca das opções a realizar, num quadro de liberdade. O que nos convoca, na incerteza, é o que nos dá o nosso futuro, o futuro rosto humano de cada uma e de cada um.
A nossa esperança é estrangeira a toda a certeza e a toda a probabilidade, diz Housset. Somos verdadeiramente nós mesmos lá nos lugares e tempos em que nos esquecemos de nós mesmos e somos felizes a fazer os outros felizes. Somos frágeis, somos mortais, somos imperfeitos, mas é no escutar e responder aos apelos dos outros e do mundo que as nossas fraquezas se transformam em fortalezas, os nossos frágeis laços se tornam correntes de aço para a vida toda.
A nossa singularidade toma assim a significação positiva de uma vocação [Housset]. | Joaquim Azevedo
Há uma reflexão que deveria ter sempre a precedência, tanto na formação dos jovens como na nossa vida em geral: o que é uma pessoa, o que é que nos faz ser pessoas, somos pessoas para quê? Vivemos num mundo em que é fácil sermos apanhados por modelos e modelados por fora, sem darmos por isso, por teorias e modas que nos impedem a liberdade individual e a manifestação de toda a nossa humanidade.
Confunde-se muito, nos dias de hoje, o ser pessoa com a consciência de si e com a manifestação das competências de cada um. A pessoa, retomando Levinàs e um texto de E. Housset [na 'Études' deste mês de Outubro, que recomendo e que aqui sigo], é uma resposta a um apelo; um apelo que vem constantemente dos outros e do mundo que nos rodeia. O que nos vertebrera como seres únicos é essa nossa capacidade única de responder a estes apelos ao longo de toda a vida, colocando-nos na posição de peregrinos: estamos sempre de partida, permanecemos toda a vida na ignorância acerca do nosso lugar, incapazes de tudo ligar e de tudo abarcar, para nos unificarmos. A nossa unidade só se pode ir encontrando lentamente nesta resposta que vamos dando aos apelos que nos surgem das mais variadas formas e nos mais diversos contextos, todos os dias da nossa vida.
A nossa liberdade é total, a missão de cada ser humano será sempre única.
A consciência do dever não provém sobretudo de uma consciência de si ou de uma representação de si, diz Housset, mas da escuta paciente do que acontece. Esta escuta dos apelos é sempre humilde e nela se manifestam tanto a nossa finitude e fragilidade, como a nossa graça. Quando olhamos para trás, para o caminho percorrido pela nossa vida, no rasto-testemunho que vamos deixando, vemos com facilidade o quanto a nossa vida se manifestou em concretizações e realizações que estiveram muito para além das representações que fomos fazendo de nós mesmos. A verdade da nossa vida não a produzimos nem nos pertence. Ela é construída nessa resposta à verdade do mundo e da realidade, de modo inesperado.
As múltiplas fantasias em que vivemos mergulhados, que nos trouxeram até esta crise, não são nada alheias a este conceito do que é ser pessoa. Idealizamos, fantasiamo-nos como heróis, super-ídolos, génios, grandes referências construídas de dentro para fora, do nosso perfil de competências para os outros e para a realidade. Nunca tanto se falou em competências e nunca nos sentimos tão incompetentes e impotentes.
Ora ser pessoa é decidir dar-se, "tornar-se pessoa consiste em aceitar ser testemunha, agindo e contemplando, renunciando à posição confortável de ser um simples espectador neutro do teatro do mundo". Por isso, ser pessoa é uma tarefa para humildes, prudentes e pacientes, porque só esse é o tempo de escutar e de discernir acerca das opções a realizar, num quadro de liberdade. O que nos convoca, na incerteza, é o que nos dá o nosso futuro, o futuro rosto humano de cada uma e de cada um.
A nossa esperança é estrangeira a toda a certeza e a toda a probabilidade, diz Housset. Somos verdadeiramente nós mesmos lá nos lugares e tempos em que nos esquecemos de nós mesmos e somos felizes a fazer os outros felizes. Somos frágeis, somos mortais, somos imperfeitos, mas é no escutar e responder aos apelos dos outros e do mundo que as nossas fraquezas se transformam em fortalezas, os nossos frágeis laços se tornam correntes de aço para a vida toda.
A nossa singularidade toma assim a significação positiva de uma vocação [Housset]. | Joaquim Azevedo